De que falamos quando falamos em cinema mexicano? De Guillermo del Toro, Alejandro González Iñárritu e Alfonso Cuarón? Inquestionavelmente, mas, também do controverso Michel Franco. Ao contrário do trio supracitado, Franco ainda nunca teve um êxito de bilheteira, no entanto, os seus filmes têm desencadeado muito burburinho entre os cinéfilos mais atentos. Uns amam-no, outros odeiam-no, mas, ninguém saiu indiferente de títulos como “As Filhas de Abril” ou “Nova Ordem”.
Em “Crepúsculo”, encontramo-lo em Acapulco, no México, a acompanhar Neil Bennett (Tim Roth). Franco demora a oferecer-nos detalhes concretos acerca da identidade do seu protagonista, mantendo-o, permanentemente, envolto numa névoa de mistério. Conhecemo-lo num hotel faustosamente luxuoso, onde passa o verão com a irmã Alice (Charlotte Gainsbourg) e os sobrinhos Colin (Samuel Bottomley) e Alexa (Albertine Kotting McMillan).
Eles divertem-se imenso, enquanto ele morre de aborrecimento. Aconteça o que acontecer, Neil parece incapaz de abandonar uma indiferença dormente. Porquê? Demoraremos a perceber… Certo dia, o quotidiano pacato do quarteto de turistas é interrompido, quando Alice recebe uma chamada que a informa do súbito falecimento da matriarca Bennett. A notícia atira-a para um pranto de choro, enquanto Neil permanece apático. Seja como for, os quatro fazem as malas e rumam ao aeroporto, para começarem a planear o funeral, porém, à chegada, Neil constata que se esqueceu do seu passaporte no hotel (ou, pelo menos, é isso que ele argumenta). Alice, Colin e Alexa apanham o voo para Londres, confiando em Neil, que promete ir ter com eles, assim que encontrar o seu passaporte… mas, isso nunca acontece.
Se parece um spoiler, tenha calma, porque os acontecimentos supracitados ocupam apenas os primeiros 10 ou 15 minutos do filme. Depois disso, entramos numa terra de ninguém enigmática e pesarosa, guiados pelo olhar melancólico de um homem corroído por fantasmas que desconhecemos. De facto, “Crepúsculo” é um filme difícil de abordar, primeiro, porque é pecaminoso adiantar detalhes acerca dos desenvolvimentos narrativos do mesmo, depois, porque assume a mesma dinâmica deambulatória que caracteriza Neil, nunca demonstrando muito interesse em introduzir uma intrincada cadeia de acontecimentos.
A Neil, pouco (muito pouco) acontece, o seu quotidiano solitário, repetitivo e apático é um nada, mas, esse nada é também o centro do filme. Neil pode ter acumulado uma riqueza impressionante, contudo, isso não o impede de ter sido “vencido pela vida”, seja porque a (a)moralidade dos seus atos o persegue, porque alienou as pessoas que o amavam (ainda que aqui estejamos apenas a supor, porque, aqui e ali, a irmã manifesta uma frieza chocante) ou por outro motivo que não conseguimos (ainda) descortinar, ele é alguém que não consegue continuar como se nada fosse.
Franco encena a sua via sacra com uma serenidade constante, que funciona como contraponto ideal aos conflitos interiores do protagonista. Até o fantasma da violência (temática recorrente no moderno cinema mexicano) é representado sem grandes sobressaltos, afinal, mais que uma vez, o quotidiano dos turistas é perturbado por tiroteios sanguinolentos (nunca vemos ninguém a ser executado, mas, as manchas de sangue insistem em não secar), que o filme retrata com uma casualidade perturbante. Para esse sentimento aterrador de perturbação, muito contribuem os atores, em particular, o exímio Tim Roth, numa composição de invulgares nuances emocionais, cujo minimalismo, não o impede de captar a dor deste homem. Praticamente, não há cena que não seja guiada pelo seu olhar magoado e Roth é tão portentoso, que até aquela sensação de insolação nos consegue transmitir.
Os céticos acusá-lo-ão novamente de ser um sádico (em defesa deles, a implicação dos apontamentos surrealistas que pontuam o terceiro ato de “Crepúsculo”, corroboram mesmo essa ideia), mas, como sempre, há muito mais no cinema de Franco do que apenas crueldade. “Crepúsculo” é, isso sim, um filme de terror existencial, que se assume como o filme de verão ideal, exatamente, por ser o oposto daquilo que associamos a um filme de verão.
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Texto de Miguel Anjos
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