Ladybug (Brad Pitt) vive num paradoxo. Por um lado, vê-se constantemente envolvido em circunstâncias sanguinolentas. Por outro, consegue sempre escapar intacto. No entanto, Ladybug cansou-se do seu quotidiano violento. Certo dia, é chamado para dar conta de um trabalho aparentemente descomplicado. Cabe-lhe entrar a bordo de um comboio-bala, em Tóquio, e encontrar uma mala, contendo 10 milhões de dólares. Contudo, entre os passageiros da locomotiva, há múltiplos assassinos contratados, com objetivos relacionados, mas, contraditórios.
O trabalho do realizador David Leitch prima pela opulência, destacando-se pela inteligência cénica e cenográfica que evidencia, aproveitando ao máximo o espaço das carruagens (cerca de 90% dos acontecimentos ocorrem lá dentro), brincando com o sentimento de claustrofobia. No entanto, o elemento mais surpreendente de “Bullet Train” é o argumento de Zak Olkewicz, que utiliza o humor para decompor e satirizar os clichés dos thrillers convencionais, como demonstrado pela qualidade dos diálogos, possuidores da exuberante contundência teatral de uma farsa.
Nesse processo de desconstrução, o apaixonado labor dos atores adquire contornos determinantes. E que atores! Pitt brinca (e muito) com a sua imagem, criando uma personagem que se encontra a meio-caminho entre Arnold Schwarzenegger e Charlie Chaplin, um herói relutante, com os trejeitos (e a maré de azar) dos trapalhões do cinema mudo. Porém, é o duo composto por Aaron-Taylor Johnson e Bryan Tyree Henry, quem rouba as atenções, exibindo um assinalável misto de comicidade e intensidade. Pelo meio, muitos outros nomes reconhecíveis fazem uma perninha, incluindo Zazie Beetz, Bad Bunny, Joe King, Hiroyuki Sanada e Michael Shannon, mas, é o magnetismo de Johnson e Henry que rouba o olhar e o coração do público.
De facto, encontramo-nos perante um espetáculo de salutar criatividade e engenho, providenciando-nos a dose cavalar de entretenimento sangrento que todos precisamos nesta canícula. Se quer humor grotesco e burlesco, sequências de ação executadas (e enquadradas) com o requinte e sofisticação que associamos a um bailado e uma galeria de excelentes atores a tirar máximo partido de um argumento sumarento, então, “Bullet Train” é o filme para si.
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Texto de Miguel Anjos
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