Thomas Lilti é, no mínimo, um autor incomum. Alternando entre o cinema e a medicina, ele é um homem de muitos ofícios. Em "Uma Profissão Séria", Lilti reinventa-se. Ele não o planeou assim, mas, "Verdade ou Consequência" (2014), "Médico de Província" (2016) e "Os Caloiros da Medicina" (2018), as suas primeiras longas-metragens, acabaram por formar uma trilogia temática, expondo o quotidiano dos profissionais da saúde, tendo como principal fonte de inspiração as vivências do próprio Lilti e dos seus colegas.
"Uma Profissão Séria" foca-se noutro métier, onde Lilti também tem alguma experiência, o do professor. Assim, reencontramos uma figura omnipresente no cinema de Lilti, o ator Vincent Lacoste, uma vez mais, a dar corpo a um "duplo" do cineasta. Desta vez, a personagem é Benjamin Barrois, estudante de medicina que começa a dar aulas, enquanto adia, indefinidamente, a sua tese. Benjamin é de Paris, mas, acaba colocado em Nanterre, onde conhece Meriem (Adèle Exarchopoulos), Fouad (William Lebghill), Sandrine (Louise Bourgoin), Pierre (François Cluzet) entre outros docentes (e alunos) com quem vai desenvolver uma certa cumplicidade.
E é isso. Lilti é o primeiro a dizer que queria fazer um filme passado num liceu como qualquer outro. Não é um antro de adolescentes problemáticos, não é um colégio privado, é um estabelecimento de ensino comum, que tanto podia estar em Nanterre, como em qualquer outra cidade, pequena, média ou grande na Europa. Diz Lilti que isso lhe permite contar uma história que dê prioridade aos professores, em vez de se focar nos métodos que empregam. "Uma Profissão Séria" é, portanto, um olhar sobre a condição do docente, as suas obrigações e frustrações, que nunca sente a necessidade de romancear nada, de inventar peripécias artificiais ou de transformar as suas personagens em símbolos do que quer que seja.
O resultado é fabuloso. À semelhança de "Verdade ou Consequência", "Médico de Província" e "Os Caloiros da Medicina", "Uma Profissão Séria" cativa-nos, imediatamente, pela sua autenticidade. Reconhecemos logo aquelas pessoas, aqueles lugares, se calhar, somos nós, os nossos cônjuges, amigos, familiares ou vizinhos, mas, tudo ali é mais que verosímil, comum. É uma realidade que não temos como não conhecer, quanto mais não seja, porque já todos fomos alunos. Esse sentimento de realismo é, dir-se-ia, a pedra basilar de "Uma Profissão Séria", fortificando a sua estrutura e permitindo-lhe assumir diferentes tons, porque dessa autenticidade advém, simultaneamente, o drama e a comédia.
Empatizamos com os problemas daquelas pessoas, sejam as suas frustrações laborais ou os fantasmas que assombram a sua intimidade, e rimos com elas, porque a melhor comédia tem tendência a fluir naturalmente daquilo que é banal, especialmente, entre amigos, como é o caso dos professores que aqui encontramos. Nesse sentido, se quisermos encontrar alguma mensagem no filme de Lilti, é dirigida aos alunos e encarregados de educação, isto é, "não se esqueçam que os professores também são seres humanos".
Ajuda (e muito) que Lilti tenha reunido uma troupe de atores formidáveis ao longo dos anos, excetuando Adèle Exarchopoulos (a atriz que mais trabalha no cinema francês contemporâneo?) e Lucie Zhang (revelada no belíssimo "Paris 13", de Jacques Audiard), são só velhos colaboradores do cineasta, com o habitué Vincent Lacoste a entregar aquela que é, possivelmente, a sua melhor performance num filme de Lilti, a meio-caminho entre a energia jovial que o colocou no mapa e uma melancolia claramente adulta (veja-se a forma como reage ao dilema que lhe é colocado a meio do filme), e se, Lacoste tem sempre tendência a roubar as atenções, importa não esquecer Lebghil, soltíssimo e divertidíssimo como o mais descontraído dos professores, e Cluzet, como é bom reencontrar Cluzet, aqui a abraçar as muitas nuances do mais velho professor do grupo como só ele sabe.
É um filme simples, pequenino e pouco espalhafatoso, que nos deixa de olhos húmidos e sorriso na cara. Quem o vir, não se arrependerá.
★★★★★
Texto de Miguel Anjos
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