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"Linhas de Sangue", de Sérgio Graciano e Manuel Pureza


Começou como uma curta-metragem, apresentada no MOTELx, perante uma plateia visivelmente feliz. Chamava-se precisamente "Linhas de Sangue", e era uma comédia sangrenta, que convocava um imenso rol de influências, onde se incluía o cinema de Quentin Tarantino e às comédias satíricas dos irmãos Zucker e Jim Abrahams. O resultado era um curioso e suculento naco de série B, cujos económicos 15 minutos sabiam a pouco. Supostamente, ia começar uma franquia, durante a qual iríamos conhecer novas e estrambólicas personagens, num universo que se pautava mesmo por um sentido de humor grotesco, que chocava sem pedir desculpas, contudo, as novas aventuras nunca chegaram. Isto é, até agora, porque secretamente Sérgio Graciano e Manuel Pureza aparentam ter estado apenas à espera da altura correta, para lançar este verdadeiro tsunami de insanidade sob as cabeças dos espetadores desprevenidos. Longe estão as diabruras encurtadas da versão original (que possuía o subtítulo “Irmãos de Sangue”), agora, temos um filme de 135 minutos, que consegue ser simultaneamente despretensioso, e altamente ambicioso.



Tudo acontece num Portugal alternativo. Fenómenos francamente bizarros, multiplicam-se sem nenhuma razão aparente. De um hospital, que conduz experiências cruéis nos seus pacientes, a um grupo terrorista paramilitar, que está disposto a cometer as mais insidiosas ações, para conseguir o que ambiciona. A unir estas ocorrências, está a omnipresente figura do Chanceler (Alfredo Brito), antigo inimigo da última esperança dos portugueses, o veterano de combate Manuel Chança (José Raposo), e a sua legião de patriotas destemidos, a abarcar as Amazonas do Tejo (Inês Rosado, Catarina Furtado), os Motoqueiros do Apocalipse (José Fidalgo, José Mata, Martinho Silva), e umas inesperadas adições civis (Gabriela Barros, Soraia Chaves, entre outros)… Em causa, está nada mais, nada menos, que o futuro da nação lusitana.



Assumindo uma estrutura narrativa episódica, segundo a qual nos vão sendo introduzidos os diversos intervenientes, através de pequenas vinhetas, e um tom constantemente paródico, que coloca os atores num registo da mais extrema seriedade, mesmo quando o argumento lhes providencia tiradas idióticas, “Linhas de Sangue” nunca oculta o filme que ambiciona ser. Um espetáculo selvagem e hilariante, ancorado num elenco manifestamente extenso (contudo, a equipa de justiceiros constituída por José Fidalgo, Martinho Silva, Fernando Pires e José Mata, necessita de destaque especial), a devorar os diálogos tão foleiros como intensamente charmosos (Marina Mota, em particular, tem uma tirada que viverá para todo sempre, entre o culto de fãs que o filme certamente criará). Claro está, que a sua sensibilidade grotescamente festiva, não apelará a todos (as almas mais sensíveis, deveram querer manter-se longe), no entanto, quem partilhar os interesses dos cineastas, no que a este cinema visceralmente estrambólico, poderá mesmo ficar apaixonado.





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