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"American Animals: O Assalto", de Bart Layton


Em 2004, um quarteto de estudantes universitários levou a cabo um plano ousado, para roubar a biblioteca de Transylvania, no Kentucky, onde se encontrava uma impressionante coleção de livros raros, entre os quais se contavam edições originais de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, ou “The Birds of America”, de John James Audubon. Os resultados não foram mesmo os melhores, no entanto, isso é pouco importante, porque o interesse do realizador Bart Layton não está no crime, mas sim, nos sentimentos que o motivaram.



Para tal, o britânico que é um veterano do documentário (trabalhou em incontáveis produções televisivas do género, e assinou o inquietante “The Imposter”, que seguia um burlão de 16 anos, que convencia uma família texana a acolhê-lo, sob o pretexto de se tratar do seu filho há muito desaparecido), foi falar com os verdadeiros “American Animals”, e sabiamente integrou os seus depoimentos em momentos-chave do filme, que acaba por funcionar como um olhar melancólico e desencantado sobre as promessas do Sonho Americano.

Aliás, a certo ponto, Warren Lipka (tremendo Evan Peters), um dos mais importantes membros da quadrilha, até aborda o tema diretamente, num pequeno monólogo, onde vai discorrendo acerca da desilusão que sente em relação à sua vida, ao que conseguiu alcançar (uma bolsa escolar), e ao futuro que perspetiva. Nada o fascina, tudo o aborrece. Nesse sentido, cometer um crime com o seu melhor amigo e dois velhos conhecidos, assume-se como uma “experiência transformativa”, o tal momento em que tudo faria sentido, por uma vez, viveria para um objetivo concreto, e se perdesse tudo pouco importaria, pois nada lhe faria falta. Lipka fala em nome próprio, porém, não nos parece exagerado inferir que os seus companheiros subscreveriam as suas filosofias.


Também, por isso, “American Animals: O Assalto” é um filme deliciosamente paradoxal, que começa por nos seduzir com apontamentos humorísticos afinadíssimos, e uma mise en scène estilosa, como se estivéssemos no terreno seguro da franquia Ocean’s (e derivados), só para depois nos tirar o tapete debaixo dos pés, quando a dureza da realidade esbate na fantasia, e já que estamos nesse tópico, talvez, seja boa altura para mencionar que este é mesmo um dos poucos e muito curiosos exemplos, de um novo cinema americano, que parece apostado em construir personagens, de tal modo imersas nos conteúdos audiovisuais que consomem, que começam a filtrar as suas vivências e sonhos, por essas mesmas ideias mitológicas.


Realização: Bart Layton

Argumento: Bart Layton

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