"Segredos Oficiais", de Gavin Hood
Antes do boom dos filmes de super-heróis, Gavin Hood assinou um dos piores exemplares do género: “X-Men Origens: Wolverine” (2009). Uma tentativa atabalhoada de encetar uma franquia centrada no passado conturbado de uma das personagens mais populares das bandas-desenhadas da Marvel. Aquando do seu lançamento, não faltaram membros da imprensa internacional, que proclamavam o fim da carreira de Hood. Não era caso para menos. Afinal, o filme era confuso e disperso, tornando-se mesmo risível, num terceiro ato que tornava todas as decisões erradas possíveis e imaginárias. No entanto, esse julgamento foi demasiado precoce, como comprovam as suas duas últimas longas-metragens do cineasta sul-africano. Nomeadamente, o intrigante e controverso “Operação Eye in the Sky” (2016), que confrontava o público com uma perversa dúvida moral e, agora, “Segredos Oficiais”, um thriller antiquado e refinado, que recupera um caso verídico para discutir o lugar do Estado numa sociedade contemporânea e, talvez, mais importante, como reagir à corrupção do mesmo?
Estamos em 2003, quando Katharine Teresa Gun (Keira Knightley), uma tradutora de mandarim dos serviços secretos britânicos do Reino Unido (Government Communications Headquarters ou GCHQ, na sigla em inglês), recebe um email confidencial da NSA, onde lhe é pedido (a ela e aos colegas) que encontrem informações que possam ser utilizadas para pressionar alguns membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas a votar favoravelmente a invasão do Iraque pelos EUA, garantindo a George W. Bush a chamada “maioria moral”. Abalada com as implicações insidiosas daquelas palavras, imprime a mensagem e mostra-a a uma amiga (MyAnna Buring) com vários contatos em campanhas antiguerra. Alguns dias depois, o mesmo email assume a capa do semanário britânico The Observer (até então, um firme apoiante do governo de Tony Blair e das suas inclinações belicistas). O mesmo desencadeia uma onda de indignação, admiração e ódio, contudo, Gun é acusada de violar a Lei dos Segredos Oficiais (criada por Margaret Thatcher como maneira de se salvar de situações que lhe fossem problemáticas), correndo o risco de cumprir pena de prisão.
O elenco, preenchido por alguns dos mais emblemáticos atores britânicos contemporâneos (além de Knightley e Buring, há Matt Smith, Matthew Goode, Ralph Fiennes, etc.) é absolutamente perfeito e providencia uma intensidade e respiração dramática bem diferente a cada cena, e o argumento escrito a seis mãos pelo casal Gregory e Sara Bernstein e Hood sabe ser incisivo e conciso, sem abdicar dos múltiplos pontos de vista que oferecem ao público um enquadramento muito mais completo da situação em causa, contudo, o que convence mesmo é a mise en scène subtil de Gavin Hood. Ao contrário de muitas outras obras com quem partilha semelhanças temáticas (pensamos em “O Caso Spotlight” ou “The Post”) sabe que não são necessários discursos inflamados, truques panfletários, nem simbolismos patuscos, para transmitir a importância dos atos de Gun e o absoluto horror de um governo que procura sacrificar uma cidadã, para tentar enterrar os seus pecados. É um filme simples, mas contundente, que sabe exatamente que ideia ambiciona partilhar connosco. Nomeadamente, o Estado existe para servir os cidadãos (nunca o contrário) e, como tal, as suas ações devem ser monitorizadas e questionadas, sempre que necessário, pois apenas assim podemos conseguir uma democracia funcional.
Texto de Miguel Anjos
Título Original: “Official Secrets”
Realização: Gavin Hood
Argumento: Gregory Bernstein, Sara Bernstein, Gavin Hood
Elenco: Keira Knightley, Matt Smith, Matthew Goode, Ralph Fiennes, Rhys Ifans
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