"Knives Out: Todos são Suspeitos", de Rian Johnson
Rian Johnson nunca escondeu o que entusiasmava. Isto é, convocar cenários e personagens profundamente enraizadas em certas linguagens narrativas e desconstrui-las política e filosoficamente. Em “Knives Out: Todos são Suspeitos”, o realizador de “Brick” (conto melancólico que se apropriava dos códigos do noir, para falar acerca da dolorosa entrada na idade adulta) e “Looper: Reflexo Assassino” (onde se revisitavam as viagens no tempo à luz das preocupações de Friedrich Nietzsche), encena aquilo a que os anglo-saxónicos chamam de whodunit. Um modelo de narrativa policial, centrado no processo de investigação de um homicídio, que tende a confrontar um detetive com peculiaridades sempre muito bem delineadas com uma vasta galeria de suspeitos (pensemos nos romances de Agatha Christie, como exemplo). No entanto, Johnson tem pouco interesse nas inúmeras reviravoltas que pautam o seu guião, preferindo utilizar as convenções do género para avaliar a conduta (a)moral das suas personagens e, em última instância, tirar partido das especificidades da situação em que se encontram, para pintar um desconcertante retrato da sociedade contemporânea, crescentemente mais dividida devido a crenças politicas, questões identitárias e pressões financeiras.
Tudo começa com a promessa de uma banal celebração. Harlan Thrombey (Christopher Plummer), um romancista conhecido precisamente pelas intrincadas aventuras policiais que constrói, reúne a sua combativa família (que, essencialmente, vive às suas custas) na imponente mansão em que reside, para festejar o 83º aniversário. Mas, como esperado, tendo em conta que ocupamos o território insidioso de um whodunit, as coisas não correm bem e um dos membros do clã Thrombey assassina o envelhecido patriarca enquanto ninguém está a olhar. Assim, a pergunta impõe-se quem é homicida? Interessado em encontrar resposta está o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), um Poirot sulista (o sotaque deliberadamente exagerado é um prazer imenso), que necessita de examinar os motivos do extenso e pouco recomendável grupo de suspeitos. Da muito conflituosa filha mais velha (Jamie Lee Curtis) do escritor ao neto egoísta (Chris Evans), que não compareceu no funeral, mas fez questão de estar presente na leitura do testamento, passando ainda por um bisneto detestável (Jaeden Martell, cujos comentários poderiam sair da boca de algumas das mais repugnantes figuras contemporâneas, seja Donald Trump, Jair Bolsonaro ou André Ventura) e uma empregada doméstica (Ana de Armas), que todos parecem desprezar devido à sua condição de emigrante.
Trata-se de um requintado exercício cinematográfico a meio caminho entre a homenagem e a sátira, que estabelece um tom habilmente brincalhão, de onde sobressai um gosto genuíno pelos muitos prazeres da subversão, que permite a Johnson desenhar um jogo de tabuleiro (um dos polícias diz mesmo perto do início, que a propriedade do falecido se assemelha a um tabuleiro de Cluedo) ácido e imprevisível que é, em última instância, uma condenação bem-humorada de uma sociedade à beira do colapso, onde qualquer sentido de moral e ética já foi ou prontamente virá a ser consumido pelo egoísmo e arrogância. Para a concretização dessa tese muito contribuem 3 elementos, o elenco notável (Craig é todo um programa), a banda-sonora deliciosamente retro e a realização atmosférica de Johnson, que assegura que este suculento naco de entretenimento sociopolítico, possui uma sofisticação estética incomum.
Título Original: “Knives Out”
Realização: Rian Johnson
Argumento: Rian Johnson
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