"Capone", de Josh Trank
Filmes sobre mafiosos há muitos, contudo, nenhum deles se assemelha a Capone. Porquê? Pois bem, porque o argumentista e realizador Josh Trank escolheu focar-se não nos tempos de glória do mais emblemático gangster dos EUA, mas sim no último ano da sua vida, quando a neurosífilis já o tinha reduzido a um velhinho confuso e incontinente, incapaz de destrinçar entre a realidade e a fantasia, entre sonhos e pesadelos.
Tudo começa como protagonista de robe, na sua mansão opulenta, com um candelabro na mão, enquanto percorre os corredores com o olhar esgazeado. Não demoramos a descobrir que é um momento de breve lucidez, em que o outrora rei do crime organizado se encontra a brincar com as crianças da família, contudo, da banda-sonora insidiosa à iluminação soturna, passando pelos grunhidos que o mesmo vai emitindo tudo aponta no mesmo sentido: a desgraça.
Pois é, a componente mais interessante do filme de Trank é mesmo a maneira como vai pintando uma figura icónica como um pobre e indefeso ser, que é forçado a lidar com um passado violento e pecaminoso no qual não se reconhece, transformando os melhores momentos do filme num pesadelo alucinatório sem saída possível que o aproximam do campo do terror. Aliás, saímos do visionamento com a sensação de que o projeto teria mesmo beneficiado de uma abordagem ainda mais aventureira que se fixasse na persona de Capone e excluísse as restantes personagens, mantendo-nos na mesma confusão que atormenta o protagonista.
Enfim, por mais que pudéssemos sonhar com uma abordagem mais lynchiana ao seu sujeito, a verdade é que Trank desafia todos os estereótipos deste tipo de obra e providencia ao público um olhar completamente invulgar sobre uma figura a que história removeu a humanidade. Para isso, é fundamental a colaboração com o enorme Tom Hardy, que sempre demonstrou um talento especial para interpretar personalidades, cujo temperamento tem o seu quê de animalesco. É possível que nunca o tenhamos visto tão solto, tão livre como aqui.
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