"Golpe de Sol", de Vicente Alves do Ó
Alternando entre melodramas de recorte clássico e comédias populares, Vicente Alves do Ó continua a construir um percurso deveras singular no contexto do cinema português. Em Golpe de Sol, encontramo-lo aos comandos de uma história que obviamente lhe é muito pessoal e o resultado é, porventura, o seu filme mais impressionante. Tudo acontece numa vivenda algures no Alentejo, onde um quarteto de amigos se reuniu para passar um fim-de-semana relaxado. No entanto, quando David, um velho amigo em comum que deixou marcas e traumas nas vidas de todos eles, anuncia o seu desejo de os visitar após um longo período de ausência do país, instala-se um ambiente caustico naquele refugio florestal, onde se começam a evidenciar feridas profundas que o tempo se tinha encarregado de recalcar. Golpe de Sol torna-se, portanto, numa espécie de variação melancólica, parcimoniosa e eloquente sobre À Espera de Godot, utilizando a inevitabilidade da visita de David para convencer as pessoas a abandonarem lentamente as máscaras que usam para ocultar o seu sofrimento interior. Nesta perspetiva, a obra possui os contornos de um thriller psicológico, na medida em que substitui uma atmosfera sensual e descontraída por um clima de tensão e dúvida que se manifesta através de insinuações nervosas, sussurros, intrigas, violência física e, mais tarde, a urgência da reconciliação. Belissimamente fotografado e abrilhantado por quatro composições de invulgares nuances emocionais, Golpe de Sol evidencia-se, acima de tudo, como um olhar desencantado sobre os mistérios da condição humana, demonstrando particular interesse por um dos mais antigos. Isto é, porque é que mentimos, por vezes, desse modo, atraindo a sua própria infelicidade?
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