"Listen", de Ana Rocha de Sousa
Não precisamos de o relembrar que este ano não correspondeu às expectativas de ninguém. A começar pelo desastroso surgimento de uma pandemia e a culminar na inevitável recessão económica que a mesma desencadeou. De facto, 2020 não nos tem providenciado muitos motivos para sorrir. O que apenas torna mais valiosos os momentos em que encontramos noticias que merecem genuinamente ser celebradas. Assim sucedeu quando soubemos que "Listen", a primeira longa-metragem da portuguesa Ana Rocha de Sousa, foi selecionada para o prestigiado Festival de Veneza e o orgulho só aumentou quando o filme conseguiu conquistar um impressionante total de 6 prémios, garantindo-lhe uma visibilidade no circuito internacional que certamente o auxiliará a chegar a mais pessoas um pouco por todo o mundo. A realizadora, de 41 anos, que se tornou famosa ao entrar na série "Riscos" que a RTP exibiu em 1997, ou na telenovela "Jura", da SIC, começa assim um percurso que se adivinha promissor, com um olhar chocante acerca de uma realidade sobre a qual sabemos pouco. Isto é, a das adoções forçadas na Grã-Bretanha atual. Um assunto que tem andado na agenda dos últimos anos e que mereceu muitas reportagens e comentários públicos, sobretudo porque são muitos dos casais portugueses emigrados no Reino Unido a quem os filhos têm sido retirados pelos serviços sociais e dados para a adoção em processos agressivos e injustos.
Essa é a realidade para a qual "Listen" (cuja tradução exata é Ouve) nos remente. Aqui, acompanhamos Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Ruben Garcia), dois imigrantes portugueses que foram para Inglaterra em busca de uma vida melhor. No entanto, acabaram numa situação precária com os três filhos que amam profundamente e por quem estariam dispostos a tudo. Contudo, circunstâncias que escapam ao seu controlo acabam por convencer os serviços sociais a tirar-lhes a custódia dos filhos, aprisionando o casal num duelo viciado contra um sistema que desumaniza quem devia ajudar. Tendo como base factos verídicos, Ana Rocha segue a desorientação destes pais com uma empatia que comove qualquer um, compondo um melodrama de imensa sensibilidade, que denuncia uma situação ultrajante que devia ser do conhecimento de todos. Afinal, o cinema também pode (e deve) dar voz a quem não a tem. Em "Listen", Ana Rocha confronta-nos com o quotidiano de quem é diariamente espezinhado por uma sociedade indiferente e, durante uns económicos 73 minutos, convence-nos a ouvi-los e a entender as suas mágoas. Num momento onde somos aconselhados a manter uma certa distância do próximo, aqui vem um estupendo filme para nos lembrar que a compaixão ainda é o mais nobre dos valores.
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