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O cinema japonês permanece quase completamente desconhecido no circuito comercial português, no entanto, em jeito de prenda de Natal, a Cinema Bold providencia ao público a oportunidade de conhecer um dos mais recentes títulos de um verdadeiro ícone do cinema contemporâneo (nipónico ou não). É tempo de ver "Primeiro Amor", do prolífico Takashi Miike. Quem conhecer a sua extensa filmografia (onde se contam quase 100 longas-metragens) já saberão mais ou menos o que esperar, os outros arriscam-se a ter aqui uma experiência revelatória. Trata-se de uma comédia romântica pouco convencional, cujo enredo gira em torno de Leo, um talentoso pugilista, que acaba de receber a notícia de que tem um tumor cerebral. Ao vaguear sem rumo pelas ruas de Tóquio, cruza-se com Monica, uma rapariga em fuga, implicada num complexo esquema de prostituição e tráfico de droga. Leo decide protege-la, sem ter consciência de que isso o colocará na mira de uma dupla de polícias corruptos, da organização criminosa yakuza e de uma assassina implacável enviada por uma tríade chinesa. Munido de um sentido de humor irresistível e de uma capacidade inata para encenar impressionantes combates, Miike reinventa o cinema de mafiosos como uma fábula sobre a iniciação à idade adulta, gentilmente acompanhada por doses cavalares de sanguinolência que farão as delícias de um público sedento de boa insanidade cinematográfica. É caso para dizer que o autor de "Anjo ou Demónio" tem uma nova obra a caminho do estatuto de culto.

Texto de Miguel Anjos

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