A maioria dos artistas levam algum tempo a encontrar a sua voz. No entanto, também há quem consiga introduzir-se ao mundo com um uma obra notável logo à primeira. No mundo do cinema, temos exemplos que vão desde gente como Quentin Tarantino ou Wes Anderson, a Ari Aster e Jordan Peele. Ao assinar o prodigioso "Pig - A Viagem de Rob", o norte-americano Michael Sarnoski inscreve o seu nome nesse panteão, impressionando-nos com um filme que subverte todas e quaisquer expectativas que possamos ter.
O conceito é ilusoriamente simples. Nicolas Cage encarna um homem que vive num exílio autoimposto num bosque isolado no Oregon, nos Estados Unidos. Os seus dias são passados ao lado de uma fiel porca de procurar trufas, que o auxilia a encontrar essas iguarias que depois vende a um jovem empresário, Amir (Alex Wolff), em troca dos poucos bens com que vive. Mas a quietude deste lobo solitário é subitamente interrompida, quando um bando de criminosos o atacam violentamente, deixando-o ferido e lhe roubam a adorável porca, só que ele está disposto a tudo para a recuperar, incluindo deixar para trás o seu esconderijo e voltar à civilização que jurou abandonar...
Dito assim, é possível que "Pig" pareça uma espécie de "John Wick", substituindo Keanu Reeves por Nicolas Cage e a cadelinha beagle do assassino mais popular da contemporaneidade por uma porca (igualmente elegante há que reconhecê-lo). No entanto, o filme de Michael Sarnoski encontra-se muito mais próximo do imaginário de Paul Schrader, sempre centrado em personagens assombradas, que lidam com os seus fantasmas por via de uma vida isolada e ritualística ("No Coração da Escuridão" e o recente "The Card Counter: O Jogador" são bons exemplos disso mesmo).
"Pig" encontra-se, portanto, nos antípodas de alguns dos filmes mais memoráveis que Cage tem feito como "Mandy" ou "Cuidado com a Mamã e o Papá", expondo e abraçando a vulnerabilidade permanente das suas personagens e retratando as suas jornadas existenciais (e, é precisamente de existencialismo que falamos aqui) com sinceridade e empatia. O que Sarnoski coloca em cena é, afinal, a desencantada acumulação do tempo, o seu carácter implacável e irreversível, aliado à lenta decomposição dos laços sociais, a ilustrar esse perturbante processo, Nicolas Cage e Alex Wolff são simplesmente admiráveis, evidenciando-se novamente capazes de dar conta da complexidade do quotidiano com a sensibilidade devida e nuances adequadas.
É um pequeno filme, daqueles que caiem de paraquedas num par de salas de cinema, de onde rapidamente desaparecem. No entanto, não tenhamos dúvidas, é um dos pontos altos deste ano cinematográfico.
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Texto de Miguel Anjos
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