Reencontrar Almodóvar é sempre um prazer irrecusável. No entanto, convenhamos que "Mães Paralelas" não tinha uma tarefa simples pela frente, afinal, como seguir um triunfo como fora "Dor e Glória" (2019), para muitos, entre os quais nos incluímos, um dos mais extraordinários títulos de toda a filmografia do cineasta manchego? Pois bem, com um filme que é simultaneamente uma reinvenção e um prolongamento de uma das mais singulares carreiras do panorama cinematográfico mundial, seja ele contemporâneo ou não.
De imediato, entramos no universo interior de duas mulheres, Janis (resplandecente Penélope Cruz, como só mesmo Almodóvar consegue filmar) e Ana (a revelação Milena Smith, a comprovar que a sua performance explosiva em "No Matarás" não fora um mero golpe de sorte), as duas conhecem-se no quarto de hospital onde vão dar à luz, nenhuma tem um companheiro à seu lado (a sombra dos homens e da sua ausência é também um tema fundamental do filme), levando-os a encontrar um certo conforto na presença da outra, dando início a uma epopeia (paralela, precisamente) que as vai confrontar com perguntas que necessitam de respostas. E não se tratam de perguntas banais, na medida em que se ligam diretamente às memórias (aos fantasmas) da Guerra Civil em Espanha.
Os cenários de luz cristalina e cores intensas definem uma espécie de assinatura (melo)dramática de Almodóvar. No entanto, essa "assinatura" é tudo menos um exemplo de qualquer tipo de exibicionismo, antes uma estratégia para expor as ambivalências dos factos narrados, em última instância, "Mães Paralelas" é um conto sobre a dificuldade de receber, organizar e pensar as heranças que o nosso passado nos relega.
Quer isto dizer que Almodóvar retoma uma ideia essencial em todo o seu universo criativo, nomeadamente, a importância do passado, não como um mero pretexto para qualquer derivação nostálgico, mas como um legado de desejos e receios que continua a pontuara nossa vida presente, as personagens titulares são, portanto, aquelas figuras melancólicas, mas resilientes que, ao investigarem o passado, descobrem um pouco mais do seu próprio presente.
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Texto de Miguel Anjos
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