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"Homem-Aranha: Sem Volta a Casa", de Jon Watts

 


Aconteça o que acontecer, parece mais ou menos óbvio que a mais recente aventura do Homem-Aranha cedo se tornará indissociável do entusiasmo gerado em seu torno. Afinal, num período extremamente frágil para as salas de cinema, o filme de Jon Watts conseguiu mesmo bater os mais variados recordes, levando gente dos 8 aos 80 a congregar-se em torno de ecrãs adequadamente gigantes um pouco por todo o mundo, em muitos casos, batendo palmas, libertando gritos de excitação e até lágrimas (são muitos os relatos de multidões em êxtase que se podem encontrar com uma breve pesquisa na internet).

Tudo isto, é extraordinário, nem que seja só mesmo porque qualquer coisa que leve as pessoas a abandonar o sofá e os interfaces frios dos mil e um serviços de streaming que se popularizaram nos últimos anos é uma boa notícia, contudo, o mediatismo que se desenvolveu em torno de "Sem Volta a Casa" corre o risco de ofuscar as valências do próprio filme, entretanto, banalizado como um mero "evento".

De facto, encontramo-nos perante um dos melhores e mais virtuosos exemplos do cinema de super-heróis, conjugando múltiplas personagens, sem nunca secundarizar nenhuma delas por completo, encenando sequências de ação de encher o olho (o clímax é um primor) e, mais importante, desenvolvendo um núcleo dramático genuinamente tocante, alicerçado na vulnerabilidade emocional e social das suas personagens, sempre muito bem defendidas por um elenco de estupendos atores.

Além disso, ao conceber uma narrativa que brinca com o conceito das realidades paralelas, Watts consegue um feito raro, isto é, ir além da homenagem e criar um diálogo com as memórias cinéfilas dos espetadores, não se trata de capitalizar na nostalgia de quem passou as últimas duas décadas a acompanhar o quotidiano do aranhiço, mas sim de aproveitar o conhecimento do público para levar a história a novos picos (emocionais e narrativos). Dizer mais, claro está, levar-nos-ia a cair no terreno dos malvados spoilers, portanto, reitere-se o mais importante, o grande espetáculo do Natal de 2021 é mesmo uma deliciosa...

★ ★ ★ ★
Texto de Miguel Anjos

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