Em 1961, Hollywood vivia um momento delicado. o musical, outrora, o modelo de espetáculo mais popular daquela indústria (o equivalente aos filmes de super-heróis que atualmente dominam as bilheteiras e manchetes), havia caído em decadência e ainda ninguém sabia muito bem o que é que o poderia substituir.
No entanto, o desmoronamento ainda ia no início, garantindo que continuava a ser possível conseguir conquistar algum tipo de sucesso dentro do género, mesmo que tal começava a ser mais difícil. "West Side Story", baseado no musical homónimo de 1957, representou um dos últimos pontos altos da tradição clássica do género, conquistando 10 Óscares (um recorde para um musical) e tornando-se num autêntico fenómeno de bilheteiras.
Contudo, esse endeusamento tem sido continuamente colocado em causa por quem encontra ou reencontra o filme de Robbins e Wise atualmente, nele reconhecendo um tom demasiado maneirado e uma estranha falta de violência não-estilizada, que atenuam o impacto do comentário sobre a intolerância e o conflito racial e, consequentemente, o impacto trágico desta transposição nova-iorquina de "Romeu e Julieta".
De facto, mesmo os fãs mais obstinados desse clássico (quer gostemos mais ou menos, não lhe podemos retirar esse estatuto) admitiram que havia espaço para repensar "West Side Story" para o grande ecrã e foi isso mesmo que o realizador Steven Spielberg (ele que sempre quis fazer um musical, mas nunca tinha conseguido) e o argumentista Tony Kushner fizeram. Não uma reinvenção, mas sim uma releitura, com tanto de homenagem, como de update.
Não se trata de "fazer à moderna", até porque quem conhecer o cinema de Spielberg (e só mesmo quem passou as últimas cinco décadas debaixo de uma pedra o desconhecerá) tem consciência do depurado classicismo que sempre pontuou a sua mise en scène, mas de encontrar ressonâncias sociopolíticas muito relevantes num texto supostamente antigo.
Assim, regressamos à Nova Iorque dos anos 60, onde o domínio de um bairro decadente é disputado por dois gangues rivais, os jets, constituído por jovens caucasianos (descendentes dos europeus que partiram para os EUA em busca de uma vida melhor) e os sharks, formados quase unicamente por porto-riquenhos. Certo dia, Anton (Ansel Elgort), antigo líder dos Jets, conhece Maria (Rachel Zegler), irmã do chefe dos Sharks, dando origem a um amor que agravará ainda mais as hostilidades entre os grupos...
Rodado nas ruas de Nova Jérsia e em estúdio, "West Side Story" tem ainda uma impressionante recriação digital da Nova Iorque dos anos 60 (as zonas em que o filme original foi rodado já desapareceram, os seus prédios demolidos para dar lugar a novas urbanizações e ao Lincoln Center, como se vê no início desta nova versão).
Visualmente, o "West Side Story" de Spielberg é muito mais trabalhado que o seu predecessor, graças à memorável fotografia de Janusz Kaminski que brinca com a paleta de cores constantemente, utilizando cores vivas e berrantes nos momentos musicais e/ou românticas e substituindo-os com cinzentos tenebrosos sempre que as personagens são possuídas pelo ódio.
Enquanto Anton, Ansel Elgort providencia à fita aquele carisma antiquado que lhe associamos, já Rachel Zegler empresta uma inocência angelical à sua Maria, no entanto, à semelhança do que acontecia no original, são os secundários quem rouba as atenções, nomeadamente, Ariana DeBose e Mike Faist, absolutamente elétricos como Anita e RIff respetivamente.
Reencontrando a vitalidade das matrizes clássicas do espetáculo cinematográfico, sem perder o respeito pela verdade coreográfica dos corpos e pelos ritmos interiores da montagem, Spielberg consegue celebrar não só uma obra fundamental do teatro musical americano, como também pintar um retrato íntimo da América (e do Sonho Americano), pontuado por insólitos detalhes realistas.
Fazia falta um novo "West Side Story"? Isso caberá ao leitor decidir, mas que esta reinvenção é bem mais virtuosa do que esperávamos, lá isso é...
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