Baseado numa história verídica, Laurent Cantet, realizador de "Recursos Humanos" (1999) e "A Turma" (2008), encontra uma maneira nova de discutir a tensão social parisiense. Ao contrário daquilo que acontecia com "O Ódio" (1995) ou "Os Miseráveis" (2019), Cantet não mergulha no universo suburbano da capital, cheio de conflitos étnicos e sociais. Conta, antes, a ascensão e queda de um escritor de origem magrebina, propondo simultaneamente um debate sobre o poder das redes sociais.
Karim D (Rabah Nait Oufella) escreve livros socialmente impactantes com princípios humanos e humanitários nobres. No entanto, descobre-se que está por trás de um alter-ego no Twitter que deixa toda a sociedade desconfortável. Arthur Rambo, um provocador implacável que não olha a meios nem a tons para atacar etnias, comunidades e instituições da sociedade francesa, por via de tweets que vão muito além do socialmente admissível.
Cantet nunca condena as ações de Karim totalmente, que vamos mesmo conhecendo não necessariamente como um seguidor de qualquer tipo de ideologia de ódio, mas sim como uma mera marioneta do mundo "social" em que vivemos: um ser humano que vive a especulação gratuita, paródica e obscena em torno da sua própria identidade como coisa normal.
Na pronúncia francesa, Rambo confunde-se Rimbaud. O nome não fora escolhido inocentemente por Karim, mas inadvertidamente acaba por expor a sua condição patética, ao contrário do poeta, ele é, de forma muito literal, um lugar comum. Alguém que parece incapaz de entender que conquistar as atenções dos outros não deve ser um fim em si mesmo.
Na composição dessa personagem, infelizmente, tão representativa da sociedade que habitamos, Rabah Nait Oufella é absolutamente exímio, encapsulando as infinitas nuances de tão complexo ser, cujo âmago Cantet disseca com bisturi neste acutilante thriller social, pronto a (re)pensar alguns dos assuntos mais importantes do momento.
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Texto de Miguel Anjos
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