Uma odisseia caleidoscópica pela história norte-americana, encenada com uma vibração épica, a meio-caminho entre a ópera pop e a tragédia clássica, assim podemos descrever "Elvis", de Baz Luhrmann, simultaneamente, uma biografia narrativamente convencional e uma tese sobre o lugar do seu protagonista na cultura e, consequentemente, na sociedade estadunidense, "ontem como hoje".
1997, Los Angeles. Andreas Cornelius van Kuijk deambula pelos casinos da cidade, enquanto espera que a morte o venha buscar (tudo indica que não falta muito...). Andreas será mais reconhecível pelo seu pseudónimo, Coronel Tom Parker (parafraseando uma das melhores frases do filme, "vocês nem é um Coronel, nem um Tom, muito menos um Parker"). Um vigarista holandês, que construiu uma existência relativamente pacata em feiras ambulantes nos EUA, onde utilizava os seus talentos para negociatas (e falta de princípios éticos) para fazer algum dinheiro, sempre que tal fosse possível.
O tempo votou-o ao esquecimento, no entanto, Kuijk/Parker foi o primeiro a antever a popularidade de Elvis Presley, tornou-se seu manager, imediatamente, depois de ouvir uma canção sua na rádio. Foi também ele quem atirou "O Rei" para a espiral de acontecimentos trágicos que, em última instância, resultaram no seu falecimento prematuro em 1977, quando tinha apenas 42 anos.
Luhrmann, um maximalista por excelência, orquestra a via sacra que o cantor se viu forçado a percorrer, com uma exuberância inconfundível. Da edição frenética aos movimentos de câmara quase alucinatórios, passando pelas escolhas inusitadas da banda-sonora (a combinar o repertório do biografado com canções modernas de gente como Eminem, Doja Cat ou os Maneskin), o que temos em mãos é uma biografia que escapa a, praticamente, todas as convenções, pelo menos, a nível formal.
No entanto, o que nos conquista mesmo é o argumento, coescrito por Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner, capaz de sublinhar a veia trágica da vida de Elvis, ao mesmo tempo que, consegue construir um discurso coerente e interessante acerca da sua importância para a América segregacionista e reprimida dos anos 50/60, expondo os motivos que o levaram a conquistar a alma da nação de forma clara e concisa, sem nunca cair ou nos maniqueísmos simplistas (ou no traço grosso...) que tendem a caracterizar quase todos os discursos sociopolíticos que se elaboram sobre o passado atualmente.
Não obstante, o filme não teria o poder que tem se o elenco não fosse tão impressionante, porém, mesmo que queiramos destacar as valiosas contribuições de Tom Hanks (enterrado em quilos de próteses e maquilhagem), Kelvin Harrelson Jr. ou Olivia DeJonge, não há como esconder que Austin Butler rouba todas as atenções. Ele que, até à data, era, maioritariamente, conhecido pelas suas participações em séries apontadas a um público juvenil (honra lhe seja feita, também fez uma perninha em "Os Mortos Não Morrem" e "Era uma Vez em Hollywood), transfigura-se completamente, assumindo a personalidade maior que a vida do Rei, conseguindo emular todos os seus trejeitos físicos e vocais, sem resvalar para o território da caricatura. Butler não se limita a interpretar Elvis, torna-se nele e, é na alquimia entre realizador e ator, nesse pas de deux sagrado, que "Elvis" ganha vida como uma das melhores cinebiografias em memória recente.
Comentários
Enviar um comentário