O único tema do encontro que durou cerca de 90 minutos foi o que os nazis chamaram "Solução Final para a Questão Judaica", ou seja, a organização e planificação detalhada do assassinato em massa de milhões de judeus em toda a Europa.
Em "A Conferência", o realizador Matti Geschonneck reconstituiu os acontecimentos de forma avassaladoramente sóbria (o tom paciente, lento e subtil do filme ilustra bem a noção da "banalidade do mal"), tendo como base a ata do encontro, redigida por Adolf Eichmann, à altura, ainda não possuidor do estatuto que viria a conquistar dentro do Reich.
Assumindo uma dimensão deliberadamente teatral (tudo acontece naquela propriedade remota, à mesa). Em primeiro lugar, porque nada naquele encontro é minimamente aleatório, todos os aspetos obedecem a um sistema hierárquico fortemente codificado, onde Heydrich desempenha o papel (insidioso) de um líder, um mercador da morte. Depois, porque "A Conferência" atribuiu uma importância muito específica a cada uma das palavras utilizadas pelos presentes, afinal, em poucas horas e entre conversas de circunstância, bolinhos e um café, programou-se mesmo a morte de muitos milhões de seres humanos.
No entanto, Geschonneck tem a parcimónia de nunca tentar exagerar a importância da Conferência de Wannsee, sublinhando o seu caracter meramente formal. Acontece que, quando Heydrich convocou aquela reunião, a montagem da Solução Final estava já em andamento, tanto porque o transporte de muitos judeus para a Polónia se encontrava em andamento, como pelo avançado estado da construção de vários campos de extermínio, incluindo aquele que é, porventura, o mais "emblemático", Auschwitz. No limite, aquilo que o filme encena é o trabalho minucioso de uma ideologia de ódio no interior do seu próprio sistema de poder, procurando estabelecer uma legitimação "legal" para um desumano "circo de horrores".
Nesse sentido, "A Conferência" diferencia-se de muita da restante produção cinematográfica sobre as convulsões interiores e exteriores do Holocausto, afastando-se dos campos de batalha ou do sofrimento dos encarcerados, para nos mostrar o que quase parece ser um universo alternativo, onde a exuberância de um requintado evento para a chamada "alta sociedade", esconde os aspetos mais condenáveis da condição humana. Inevitavelmente, sempre que alguém tenta confrontar-nos com os feitos desprezíveis dos nazis, há sempre quem diga que o cinema tem uma obsessão demasiado recorrente com esse período dantesco da nossa história coletiva, mas, esse é o pensamento errado, é fundamental que continuemos a partilhar estas histórias, que imortalizemos o terror, para que tenhamos consciência, capacidade e coragem de lutar para que ele não volte nunca.
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Texto de Miguel Anjos
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