Em 2007, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", a segunda longa-metragem de Cristian Mungiu, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, inaugurando a chamada "Nova Vaga Romena". Entretanto, o mundo aprendeu os nomes de autores como Corneliu Porumboiu ("12:08 A Este de Bucareste"), Cristi Puiu ("A Morte do Sr. Lazarescu"), Radu Muntean ("Terça, Depois do Natal") ou Radu Jude ("Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental"), no entanto, tudo indica que Mungiu continue a ser o representante mais "popular" desse suposto "movimento". Esta semana, reencontramo-lo nas nossas salas, com "R.M.N.", propondo uma ruminação sobre a xenofobia, o nacionalismo e a violência, que tem tanto de fascinante, quanto de aterradora.
Começamos, enigmaticamente, com o pequeno Rudi (Mark Edward Blenyesi) sai de casa e inicia a sua travessia até à escola, enquanto caminha pela floresta vê algo que o leva a deixar de falar... O que testemunhou a criança? Nunca saberemos em concreto, mas, esse fenómeno, aliado a um violento incidente laboral, levam o pai da criança, Matthias (Marin Grigore), a abandonar a Alemanha, onde se encontrava emigrado, e a voltar à sua terra natal na Transilvânia, procurando desvendar os fundamentos que sustentam o medo mudo da criança, ao mesmo tempo que tenta ensinar-lhe a lei do mais forte... No entanto, o regresso à Transilvânia permite a Matthias que reencontre a ex-amante, Csilla (Judith State), que, entretanto, subiu na vida e conquistou uma posição de chefia numa panificadora local, que tem enfrentado dificuldades na hora de encontrar empregados. Certo dia, Csilla decide contratar alguns trabalhadores provenientes do Sri Lanka, consequentemente, trazendo à tona os piores instintos dos seus vizinhos e amigos...
Quem conhecer a filmografia de Mungiu reconhecerá todas as suas marcas características em "R.M.N.", os planos desprovidos de cortes, o realismo contundente, aliado a uma componente simbólica, que, paradoxalmente, o complementa, o tom contemplativo e a total aversão a soluções (narrativas, intelectuais, etc.) simples. Neste caso, encontramo-nos perante um olhar chocante e revoltante sobre o quotidiano de uma cidadezinha pacata, pitoresca e, aparentemente, acolhedora, cujos cidadãos vão, a pouco e pouco, revelando sentimentos crescentemente mais nacionalistas, xenófobos e racistas, a culminar numa cena com mais de 15 minutos, em que a massa popular local se reúne para libertar tralha revoltosa e chauvinista sobre a presença dos trabalhadores do Sri Lanka. É tão hediondo, tão insensível, tão indescritivelmente desumano de se ver que é da ordem do sublime. Porquê? Porque Mungiu, aguentando o plano sem qualquer corte, nem movimento de câmara, consegue expor, sucinta e eloquentemente, os pensamentos venenosos que corroem sociedade contemporânea (afinal, a ascensão da extrema-direita não é um fenómeno romeno), abrindo-nos os olhos para o horror do mundo, no contexto de um filme que, visualmente, é de uma beleza insofismável.
Quiçá, por isso, Mungiu enche o seu filme de alusões ao cinema de terror, desde o pavor da criança, traumatizada por motivos que nunca conheceremos concretamente, ao final onírico, a meio-caminho entre Ari Aster e David Lynch, como se Mungiu, reconhecendo o teor infernal do abismo em mergulhou ao filmar "R.M.N.", tivesse concluído que a melhor maneira de lhe fazer jus, seria mesmo deixar que as componentes do terror se apoderassem da história, moldando à sua ambiência à medida que avança. Trata-se de um pequeno, pequeníssimo filme, que, tudo indica, passará completamente despercebido nas salas de cinema, mas, ele merece muito, muito mais, portanto, deixamos aqui o repto em jeito panfletário, ide vê-lo, porque dentro de um ano, é muito provável que o encontremos em listas de melhores do ano...
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