Damien Chazelle comemora hoje o seu 38º aniversário e, no entanto, quem recebe a prenda somos nós. É verdade, já é possível ver "Babylon" nas salas de cinema portuguesas. O "megalodonte" que o realizador parece ter concebido como um lado B do seu "La La Land". Se aí nos encontrávamos entrincheirados num olhar apaixonado sobre a iconografia de Hollywood enquanto "fábrica dos sonhos", em "Babylon" assistimos a uma desconstrução desse mito. Resumindo de forma necessariamente simplista, ao longo de mais de três horas, Chazelle cria uma extensa galeria de personagens (inspiradas em personalidades reais) e convoca uma infinitude de referências, para pintar um mosaico de desmedida ambição, expondo as contradições da indústria cinematográfica norte-americana, que é, como disse o próprio Chazelle, "uma homenagem aos artistas e um vai-te foder Hollywood".
O título tem logo o seu quê de sugestivo, uma vez que, a escolha de um termo como "Babylon" não é um gesto irónico, resultante do cinismo que parece ter-se apoderado do espaço mediático contemporâneo. Chazelle encena mesmo a passagem do mudo para o sonoro em Hollywood, como se de uma tragédia bíblica se tratasse. No contexto dos materiais promocionais do filme, é possível que as sequências festivas, extensas, excessivas e tremendamente gráficas, sugiram um ar de ligeireza, consubstanciado pelo sentido de humor burlesco que Chazelle imprime no guião, mas, é um engano, uma ilusão, porque quando experienciamos "Babylon" em toda a sua grandiloquência (e, apetece dizer, magnificência), retiramos delas uma vertigem apocalíptica. Desde o princípio que reconhecemos um sentimento fúnebre a pairar sobre cada fotograma, adivinhando a danação que se abaterá sobre os hedonistas imprudentes que acompanhamos.
Nesse sentido, podemos aproximar "Babylon" de alguns títulos (uns clássicos, outros obscuros) como "Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder, "O Dia dos Gafanhotos", de John Schlesinger, ou "Inserts", de John Byrum, olhares desencantados em torno do mesmíssimo ecossistema que definiu a nossa perceção de encantamento...
Manuel Torres (Diego Calva) é um humilde faz-tudo, que sonha em encontrar um lugar na "aristocracia" de Hollywood. Um dia, é contratado para transportar um elefante para a residência palacial do influente produtor norte-americano, Don Wallach (Jeff Garlin), onde, por puro acaso, conhece duas personalidades que vão moldar o seu futuro, para o bem e para o mal, Jack Conrad (Brad Pitt), um galã que vê o chão a fugir-lhe, e Nellie La Roy (Margot Robbie), uma ambiciosa aspirante a atriz, com um pendor por comportamentos destrutivos, que se vê catapultada para o estrelato de um segundo para o outro.
Excetuando o protagonista Manuel, que se resume a um compósito das experiências de pessoas reis, todas as outras personagens correspondem a personalidades específicas (Nellie La Roy inspira-se em Clara Bow, Jack Conrad em John Gilbert, Sidney Palmer, o músico interpretado por Jovan Adepo, em Cat Anderson, Lady Fay Zhu, a femme fatale de Lin Jun Li, em Anna May Wong, etc.), contribuindo para a sensação de que "Babylon" é um alucinante mosaico histórico, onde a inconografia romantizada e ilusória da indústria que comercializou o sonho, se (con)funde com a realidade, até se tornar difícil, ou mesmo, impossível separá-los.
Certo apenas, é que, ao combinar a grandiloquência do "filme de prestígio" (não raras vezes, o mais formulaico, desalmado e calculista dos modelos de produção), com o gosto pelo grotesco (e o burlesco) do cinema exploitation (Tinto Brass aprovaria), Damien Chazelle concebeu um épico inebriante, extravagante e explosivo, refrescante na sua grandiloquência megalómana, que é, em última instância, uma homenagem assolapada à resiliência de uma arte que nunca se verga, procurando sempre novas encarnações, sob o manto de uma tragédia romântica que toca (e muito). É o melhor filme de Chazelle (de longe) e uma das primeiras grandes experiências que teremos no interior de uma sala escura em 2023.
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