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Crítica: Sin City: Mulher Fatal (Frank Miller's Sin City: A Dame to Kill For), de Robert Rodriguez


Existe algo de extraordinário acerca de Robert Rodriguez que é absolutamente inegável, goste-se ou não do trabalho do cineasta, falo da sua paixão pela sétima arte que trespassa toda a sua filmografia, desde os seus melhores filmes aos seus (poucos) mais fracos é admirável a forma como o realizador põe a sua alma em cada projeto seu, e se diverte a trabalhar os universos e personagens que cria, sempre com o mesmo entusiasmo contagiante a passar também para toda a sua equipa, desde os atores, até aos técnicos de som. Com Rodriguez todos os intervenientes estão empenhados ao máximo na tarefa de trazer as histórias em questão à vida, e neste seu novo trabalho isso não é diferente.
Uma sequela a um dos seus maiores êxitos (e um dos seus melhores filmes) "Sin City: A Cidade Do Pecado", que já conta dez anos (o tempo passa...), chega finalmente a hora do cineasta revisitar as histórias de Frank Miller (autor dos livros que aqui são adaptados), e a espera valeu a pena, até porque este "Mulher Fatal" cumpre aquela que é acima de tudo a função fundamental de uma sequela, ou seja, acrescentar algo à obra original, mas nunca se prendendo demasiado a ela, de forma a também funcionar como uma obra sólida por si só.
Tal como no primeiro filme as histórias são apresentadas de forma antológica, embora apresente aqui uma curiosidade: só três dos quatro segmentos (Just Another Saturday Night, A Dame To Kill For, e Nancy's Last Dance) são adaptados da BD original tendo um deles (The Long, Bad Night) sido criado especificamente para o filme.
E desde já fica dito que a nível narrativo e visual, isto porque não é possível separar os dois neste caso, a obra de Rodriguez é todo um triunfo como a obra original já tinha sido, com a espetacularidade visual dos cenários criados inteiramente em CGI a aliar-se ao 3D (que aqui ao contrário de algumas outras obras recentes de facto faz a diferença) para criar uma obra altamente estilizada e marcadamente diferente daquelas que lhe fazem concorrência nas salas. E, para isso, também ajuda a constante qualidade das histórias apresentadas que começam logo muitíssimo bem com a delirante "Just Another Saturday Night" onde volta a brilhar Mickey Rourke (como o faz ao longo do resto do filme) com o seu Marv, um dos mais conhecidos e amados personagens de "Sin City" que é nas mãos de Rourke um durão tão psicótico como leal e justo, tornando-se um inesperado anti-herói e apresentando um curioso timing cómico. Segue-se "The Long, Bad Night" o grande segmento surpresa da obra, criado propositadamente por Miller e Rodriguez para o filme. É um empolgante thriller onde brilha Joseph Gordon-Levitt a apresentar aqui o tipo de charme que caracteriza as grandes estrelas de Hollywood e a oferecer uma enorme alma ao seu arrogante Johnny, por quem sentimos empatia desde o primeiro segundo por mais imperfeito que ele seja, além disso quem também brilha aqui é Powers Boothe como o sádico senador Rorke e vê-lo enfrentar Gordon-Levitt nos seus jogos de Poker é puro prazer, aliás este segmento é tão bom que só é pena ser tão curto.
A ocupar a segunda metade temos "A Dame To Kill For" (o segmento que dá nome ao filme) que embora seja um pouco longo demais, não deixa de ser uma contagiante aventura noir com Josh Brolin numa poderosa composição, a conseguir trazer a vida na perfeição ao seu Dwight um homem tão selvagem e violento como vulnerável e apaixonado, com uma enorme solidez a ser seduzido pela sempre impecável Eva Green. E "Nancy`s Last Dance" onde Jessica Alba que tinha na passada obra sido um ponto fraco (mais por culpa do argumento do que da atriz), se supera oferecendo uma maior complexidade à sua Nancy, além disso temos também por aqui o clímax perfeito para acabar a obra.
E no todo embora talvez se prove demasiado alternativo (na falta de um melhor termo), para agradar a largos segmentos de audiência, "Sin City: Mulher Fatal" é uma brilhante continuação de uma obra já de si bastante sólida que se afasta de alguns elementos mais fantásticos presentes na primeira obra, aproximando-se assim um pouco mais dos clássicos filmes de detetives noir dos anos 40 (o que faz todo o sentido tendo em conta que foram essas as obras que inspiraram Miller a criar este universo), criando assim uma identidade própria ao invés de ficar preso ao original. Empolgante, divertido e repleto de pequenas boas histórias, este "Sin City" mostra acima de tudo que tantos anos depois de ter começado a filmar, Robert Rodriguez ainda continua apaixonado pela sua arte, e ainda bem.
10/10

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