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"Lucky", de John Carroll Lynch


Os argumentistas Logan Sparks e Drago Sumonja são amigos de longuíssima data do emblemático Harry Dean Stanton (presença constante no panorama televisivo e cinematográfico internacional dos últimos 40 anos) e, decidiram inspirar-se nas suas histórias e vivências para escrever este bonito conto acerca da eminencia da morte. Conto esse, que o veterano Stanton abandonou a reforma para interpretar. O resultado, assinado por John Carroll Lynch, é um comovente adeus a uma lenda autência, pontuado por um requintado sentido de humor e concebido com uma economia narrativa francamente incomum (apenas 88 minutos). Em “Lucky”, conhecemos um nonagenário que reside numa pequeníssima “terriola” do Arizona, onde nunca nada acontece, e todos se conhecem. O seu quotidiano rege-se por uma rotina estrita. No entanto, certo dia, depois do seu amigo Howard (David Lynch, um dos autores que mais trabalhou com Stanton) lhe contar acerca do infeliz desaparecimento do seu cágado, Presidente Roosevelt, Lucky desmaia no chão da sua humilde casa na orla do deserto. Vai ao médico, mas nenhuma doença se assume. O seu problema, afinal, é apenas um: o envelhecimento e a aproximação de um falecimento ao qual nunca poderá escapar. É um pequeníssimo filme, de orçamento deveras modesto (como os estúdios americanos costumavam fazer nos anos 70), rodado em por gente apaixonada, que ambiciona única e exclusivamente falar sobre pessoas comuns, com problemas iguais aos nossos e sentimentos complexos que não pode ser resumidos aos estereótipos do costume. E Harry Dean Stanton adiciona mais um momento extraordinário à sua icónica e imponente filmografia.


Realização: John Carroll Lynch

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