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"A Hora Mais Negra" ("Darkest Hour")


Winston Churchill conseguiu mobilizar uma nação inteira contra um inimigo comum, utilizando somente a retórica, sob condições francamente dramáticas. Compreende-se, portanto, a necessidade quase “cíclica” que o cinema (em especial, o britânico) parece ter de regressar à sua imponente figura. E, nesse sentido, é com algum desapontamento que encontramos em “A Hora Mais Negra” um caso paradoxal, simultaneamente evidenciando inequívocos apontamentos de brilhantismo e, falhas embaraçosas que se tornam difíceis de perdoar. Afinal, o trabalho de mise en scène de Joe Wright, aliada à sumptuosa fotografia de Bruno Delbonnel asseguram um requinte cénico inegável, que gera até uma série de belíssimos momentos de cinema (a criança que contempla o avião, o bombardeamento, os planos constantes de um Churchill sempre enclausurado em espaços iluminados na escuridão, sinalizando a solidão latente do homem no poder) e, no elenco assistimos a delicadíssimas composições de gente como Kristin Scott Thomas (criminosamente subaproveitada) ou Ben Mendelsohn. No entanto, também há um argumento “destrambelhado”, que nem sempre mantem os acontecimentos ao ritmo desejado e, confunde rigor histórico com a mais imberbe simplificação do entretenimento de massas (há uma sequência inarrável, em que Churchill vai para o metro londrino fazer uma espécie de sondagem aos habitantes da cidade, que não só fracassa em toda a linha nas suas tentativas de ter piada, como é inverosímil até dizer chega). E, no fim, ficamos com uma longa-metragem extraordinariamente bem filmada e atuada, que infelizmente fica aquém dos resultados que algumas das suas componentes individuais poderiam atingir (imaginemos o filme que teríamos em mãos com um argumentista como Tony Kushner ou Christopher Hampton).


Realização: Joe Wright
Argumento: Anthony McCarten
Género: Drama
Duração: 125 minutos

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