"Não me Toques", de Adina Pintilie
Nos primeiros minutos de “Não me Toques”, a cineasta Adina Pintilie confessa: “Ainda nunca te expliquei ao certo que é este filme. Nunca o verbalizei, porventura, porque estou à procura de algo que antecede às palavras.” Acontece que, nessas palavras se encerra todo o projeto estético e ético do filme. Isto é, abandonar todas e quaisquer convenções narrativas (o filme funciona algures entre a ficção e o documentário) e pudores, para construir uma experiência carnal sobre a natureza da fisicalidade, que vem explorar exatamente o que significa “habitar um corpo”.
O resultado é uma experiência curiosamente intensa e estranhamente serena, que coloca múltiplos corpos nus num regime de isolamento austero (quase todas as cenas se desenrolam em ambientes aparentemente esterilizados e desprovidos de cor), apenas quebrado em duas breves sequências passadas num clube de BDSM, Pintilie move-se permanentemente nos terrenos desconfortáveis da intimidade, contudo, rejeitando sempre qualquer tipo de voyeurismo ou hedonismo, até porque seria uma simplificação demasiado grosseira dizer que “Não me Toques” versa sobre a procura do prazer (embora, tal seja um tema importantíssimo na “narrativa”). Antes de mais, Pintilie entende que cada um está preso ao corpo com que nasceu e nunca poderá entender realmente como é a existência corpórea do outro (vejam-se os tocantes momentos em que Tómas Lemarquis e Christian Bayerlein descobrem o rosto um do outro por via do toque), mas se isso pode ser um problema, então, o que dizer do horror de nos sentirmos estranhos na nossa própria carne? De não nos reconhecermos na pele em que vivemos…
O que se segue é, portanto, uma reflexão tão visceral como intelectual, que apenas estará ao alcance dos espetadores mais aventureiros (quem gosta do cinema que obedeça às convenções clássicas, talvez deva evitar a excentricidade de Pintilie), que aceitem entregar-se ao filme nos seus termos e participar na reflexão que o mesmo procura iniciar. E, se calhar, é aí que reside a componente mais assombrosa do todo: a maneira como convida (ou obriga) o espetador a entrar no seu interior e deixar-se levar pela sua estranheza formal. Numa época em que formatos como o IMAX ou o 4DX procuram dinamizar produtos básicos e computorizados, saúde-se uma obra militantemente humana, que nos providencia uma experiência muito literalmente carnal.
Título Original: "Touch Me Not"
Realização: Adina Pintilie
Argumento: Adina Pintilie
Montagem: Adina Pintilie
Diretor de Fotografia: George Chiper
Duração: 125 minutos
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