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 "Tudo Bons Meninos", de Gene Stupnitsky


Habituámo-nos a encarar as crianças como representantes de uma inocência utópica. Como tal, sempre que uma narrativa as retira desse contexto para as colocar em situações que fujam a esse pensamento tradicional, as expectativas do público são automaticamente subvertidas. Em “Tudo Bons Meninos”, Gene Stupnitsky aplica esse mesmo raciocínio naquela que é a sua primeira longa-metragem. Essencialmente, estamos dentro do território que as comédias de Judd Apatow (“Virgem aos 40 Anos”) ou do duo composto por Seth Rogen e Evan Goldberg (“Uma Entrevista de Loucos”) costumam percorrer, no entanto, existe uma diferença fundamental. Em vez de adultos propensos a comportamentos infantis, são alunos do sexto ano que vemos a disparar palavrões e fazer piadas sexuais (que nem eles entendem…). Aliás, o desafio a que Stupnitsky se propôs parece ser óbvio. Ou seja, quantos momentos inocentemente profanos conseguem ser encaixados em 85 minutos?



Tudo começa quando o pequeno Max (Jacob Tremblay), de 12 anos, se apercebe que não sabe como beijar. Acontece que, se aproxima um momento potencialmente irrepetível em que terá uma oportunidade de declarar o seu amor à rapariga que ama, portanto, recorre aos melhores amigos, Thor (Brady Noon) e Lucas (Keith L. Williams), para encontrar auxílio. No entanto, nenhum deles tem experiência na área, então, o trio resolve utilizar um drone para espiar (acham eles) um casal de adolescentes ninfomaníacas (encarnadas por Molly Gordon e Midori Francis) a namorar. Mas quando as coisas correm absurdamente mal e o drone acaba destruído, os desafortunados aventureiros pubescentes passam a ser confrontados com uma nova necessidade: arranjar uma maneira de substituir o drone do pai de Max (Will Forte), antes que este chegue a casa, para tal, resolvem embarcar numa odisseia de más decisões que envolvem o furto acidental de uma mochila cheia de drogas pertencente a um gangue de criminosos, fugas à polícia, paintball em residências estudantis e adolescentes assustadoras.



À semelhança do recente “Booksmart” (ainda em exibição), os acontecimentos são condensados num único dia, providenciando ao duo de argumentistas composto pelo próprio Stupnitsky e o seu colaborador habitual Lee Einsenberg a oportunidade de tirar o máximo proveito de um conceito simples (crianças que usam linguagem ordinária casualmente e se metem em situações adultas), sem nunca correrem o risco de o levar até à exaustão. Aliás, sempre que achamos que “Tudo Bons Meninos” esgotou os momentos chocantes que tinham reservados para nós, algo rocambolesco como uma criança a usar contas anais como matracas sucede e voltamos a sentir aquele entusiasmo perverso que a película nos prometeu na sua campanha de marketing. Nesta perspetiva, é imperativo reconhecer a importância dos três protagonistas, que se entregam completamente à mentalidade pouco convencional de uma comédia consistentemente hilariante, sem medo de alienar públicos mais sensíveis a um sentido de humor corrosivo e 100% politicamente incorreto.


Texto de Miguel Anjos

Título Original: “Good Boys”
Realização: Gene Stupnitsky
Argumento: Lee Eisenberg, Gene Stupnitsky
Elenco: Jacob Tremblay, Keith L. Williams, Brady Noon, Molly Gordon, Midori Francis

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