"FRANCE", DE BRUNO DUMONT
“La Vie de Jésus” (1997) e “L’Humanité” (1999) colocaram Bruno Dumont na constelação dos autores mais reverenciados em França, no entanto, a distribuição nacional só lhe começou mesmo a prestar atenção recentemente, ainda que continue a haver lacunas por preencher. Afinal, entre “Ma Loute” (2016) e “France” (2021), Dumont assinou três longas-metragens que não conseguiram ir além do circuito de festivais…
No entanto, não desanimemos, o lançamento de “France” é mesmo um acontecimento digno de celebração, não fosse o melhor título da sua filmografia desde “Fora, Satanás” (2011), combinando habilmente a melancolia austera que marcou os seus primeiros títulos, com o sentido de humor corrosivo que tem caracterizado a segunda fase da sua carreira.
France de Meurs (Léa Seydoux) é a jornalista mais famosa de França. O seu programa noticioso, “Um Olhar Sobre o Mundo”, bate recordes de audiências, devido às suas reportagens sensacionalistas e debates aguerridos. Era expectável que alguém que se encontra eternamente ligada à atualidade, fosse minimamente conscienciosa, mas France é de uma ingenuidade infantil e tem um temperamento ridiculamente arrogante.
Certo dia, o seu mundo frenético e de grande visibilidade é virado do avesso, quando se vê envolvida num acidente de viação que resulta no ferimento de um peão, levando-a a acordar para a realidade do e a colocar tudo em causa. Enquanto France tenta abrandar e recuar para uma simples vida anónima, a fama continua a persegui-la até que um caso de amor parece pôr fim à sua busca.
A abordagem filosófica ao cinema de Dumont, fruto da sua formação académica, volta a questionar o que é ser-se humano em condições extremas que violentam a natureza própria do conceito, e que o colocam em comunicação com algo que nos transcende, que poderemos designar por sagrado (os seus filmes estão pejados de todo o tipo de alusões religiosas).
Em “France”, demoramos muito até que a “realidade” estilizada e idealizada da televisão dê lugar ao sagrado, colocando a protagonista numa via sacra de sofrimento interior que pode ou não ter fim (Dumont recusa-se a providenciar-nos uma resposta definitiva ao que quer que seja, como já é apanágio da sua obra). É “France” uma denúncia dos discursos mediáticos histriónicos e manipuladores que se tornaram parte indissociável dos nossos dias? Sim, no entanto, o mais interessante no trabalho de Dumont é a maneira como alia a crítica social ao existencialismo, nunca perdendo de vista o trabalho dos atores, particularmente, Léa Seydoux, de uma assentada hilariante, hipnótica, detestável e adorável. Só para ver tamanha performance, já o preço do bilhete estaria inteiramente justificado.
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