Comecemos pelo princípio. Rachel (Virginie Efira), de 40 anos, é uma professora dedicada, que todos parecem admirar. Nunca foi mãe, ainda que sempre tenha acalentado esse sonho. Quando se apaixona pelo recém-divorciado Ali (Roschdy Zem), apega-se a Leila (Callie Ferreira-Gonçalves), a filha do novo companheiro, cuidando dela como se fosse sua... mas, não é, colocando Rachel numa posição tremendamente complexa e um tanto desconfortável. Leila nunca verá Rachel como uma mãe, contudo, Rachel é incapaz de não percecionar Leila como uma filha.
Zlotowski encena a odisseia sentimental de Rachel com uma serenidade que contrasta lindamente com as intensas convulsões que a dilaceram interiormente. Expondo, com simplicidade (nunca simplismo), candura e empatia, a difícil condição desta mulher que se vê permanentemente secundarizada no contexto da sua própria vida amorosa. Paralelamente, acompanhamos alguns momentos da sua rotina, entramos em contacto com as pessoas que compõem o seu quotidiano, o pai, a irmã, os colegas, um aluno que tenta desesperadamente auxiliar e até um ginecologista interpretado por, nada mais, nada menos, que por Frederick Wiseman, o nonagenário documentarista norte-americano, por estes dias, radicado em França.
Lentamente (ou melhor, ao ritmo aparentemente pachorrento da vida), todos esses tecidos se vão combinar numa belíssima tapeçaria cinematográfica, militantemente fiel à complexidade da condição humana, que emociona (e muito). É o melhor filme de Zlotowski e, em parte, isso deve-se também a Virginie Efira, uma das mais fascinantes atrizes da contemporaneidade, aqui numa performance de infinitas nuances, providenciando corpo e alma a uma personagem que poderíamos agradavelmente seguir por múltiplos filmes. Uma pérola.
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Texto de Miguel Anjos
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