Kristoffer Borgli possui uma sensibilidade muito particular, podemos aproximá-lo de cineastas como Yorgos Lanthimos, Ruben Östlund, Rick Alverson ou até David Cronenberg, no entanto, é impossível confundi-lo com qualquer um dos supracitados. O seu cinema é anárquico, rocambolesco e crudelíssimo, mas, mantém sempre um ar lúdico que é, alternadamente, desconcertante e perturbante.
Em "Farta de Mim Mesma", Borgli introduz-nos a Signe (Kristine Kujath Thorp) e Thomas (Eirik Sæther), dois egomaníacos que sentem a necessidade de competir constantemente pela atenção de quem os rodeia. Um dia, a carreira de Thomas providencia-lhe "algum" sucesso (Signe, naturalmente, é a primeira a menorizar a sua conquista), levando a sua conjugue a tomar medidas extremas para sair do anonimato...
Revelar exatamente a que "solução" Signe recorre é um spoiler particularmente imperdoável, porque um dos principais trunfos de "Farta de Mim Mesma" é a forma Borgli deixa Signe afundar-se lentamente num poço do seu próprio narcisismo, com resultados crescentemente mais grotescos e hilariantes (imagine-se o body horror à lá Cronenberg, no contexto de uma comédia de desconforto à medida de Ruben Östlund). O resultado é uma sátira afinadíssima à cultura das redes sociais, da fama instantânea e de todo o ruído mediático, sempre vazio de qualquer conteúdo, que as acompanha.
Aplaude-se também que Borgli tenha confiança suficiente nos seus dotes de argumentista e realizador para ter coragem de nos colocar a seguir duas pessoas absolutamente detestáveis durante quase duas horas. Ninguém sairá da sala com vontade de beber café com Signe e Thomas, mas, Thorp e Sæther (ele, particularmente, a criar uma personagem que, de tão desagradável, quase se torna adorável) conseguem dar-lhes alguma humanidade, auxiliando Borgli a nunca cair no terreno lamacento da caricatura, e garantindo que nunca nos fartamos de passar tempo com eles.
"Farta de Mim Mesma" é um daqueles filmes em que ou se entra completamente ou se fica de fora desde os primeiros instantes. Quem tiver o azar de se encontrar no segundo grupo, talvez nunca volte a dar uma oportunidade a um filme de Borgli, os outros descobrirão um novo clássico de culto.
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Texto de Miguel Anjos
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