Acontece aos melhores. Em "Asteroid City", Wes Anderson sublima a sua linguagem fílmica. Como? Levando-a ao limite. À 11ª longa-metragem, Anderson volta a cultivar um mundo que é, simultaneamente, alheio à realidade e irremediavelmente próximo dela. Como sempre, mergulhamos num mundo artificialmente autêntico, como acontecia no cinema clássico norte-americano (ou, mais recentemente, nos filmes de Jacques Demy ou Roy Andersson). Assim é "o método Anderson", replicando a iconografia de um determinado "tempo e espaço" e ressuscitando-a. Em "Asteroid City", o tempo são os anos 50, o espaço, a América interior e a iconografia desdobra-se entre a música country, as memórias dos westerns, os cartoons de Tex Avery, a nova dramaturgia da época (com Tennessee Williams na chamada "ponta-de-lança").
Encontramo-nos em 1955. Um apresentador (Bryan Cranston), cujo nome nunca conheceremos, conduz um programa televisivo dedicado a "autopsiar", por assim dizer, o imaginário dos grandes dramaturgos norte-americanos da contemporaneidade. Este episódio foca-se em Conrad Earp (Edward Norton), uma espécie de alterego de Tennessee Williams, que trabalha dedicadamente na sua mais recente obra, "Asteroid City", como "há pouco prazer em observar um homem a escrever" (é o apresentador quem o diz), saltamos à frente no tempo e vemos o encenador Schubert Green (Adrien Brody) a "levar à cena" o texto de Earp.
O que se segue é, portanto, uma peça, dentro de um programa televisivo, dentro de um filme. Um dispositivo metanarrativo, que não se coíbe de realçar a sua "falsidade". Dito assim, "Asteroid City" arrisca-se a parecer um exercício intelectual, que também é, mas Anderson é demasiado lúdico para deixar que o seu filme caia na sisudez, colecionando momentos tremendamente hilariantes, quase sempre derivados do caráter irredutivelmente charmoso das suas personagens (os miúdos, por exemplo, animam qualquer momento), ao mesmo tempo, que as suas incursões brechtianas vão adicionando camadas, por vezes, surpreendentes, à realidade simulada de Asteroid City, onde a passagem do tempo leva a peculiaridade cómica dos diálogos a assumir uma carga crescentemente mais melancólica.
Trata-se, afinal, de uma alegoria existencial, que lentamente vai conquistando uma ressonância emocional que, na volta, não esperávamos ao início. Por um lado, porque o trabalho de Anderson como realizador e coargumentista (Roman Coppola, o seu parceiro de sempre, também esteve envolvido na conceção de "Asteroid City") fazem um trabalho tão impressionante na hora de nos puxarem para este labirinto de ilusões, por outro, porque os atores têm a capacidade de nos convencer da humanidade daquelas personagens, aparentemente, tão removidas de qualquer contexto imediatamente reconhecível. O filme, até pelas suas raízes teatrais, é tributo ao seu labor dedicado e apaixonado e não haverá autor mais indicado para preparar uma homenagem ao trabalho dos seus intérpretes que Anderson, inventor de mundos, construtor de realidades, que mantém uma trupe dos maiores nomes de Hollywood (e não só) sempre por perto, levando-os de cenário em cenário, argumento em argumento, sempre em direção a algo artificial e autêntico. Autenticamente artificial, portanto.
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