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Crítica: Em Parte Incerta (Gone Girl), de David Fincher


Desde "Seven - Sete Pecados Mortais" a "A Rede Social", passando por "Clube De Combate" e "O Estranho Caso De Benjamin Button", poucos realizadores (vivos ou mortos) se podem gabar de serem possuidores da mesma vitalidade e do mesmo talento que caracteriza David Fincher, e esta sua mais recente obra é um brilhante exemplo de tal afirmação.
Baseado num bestseller de Gillian Flynn (que também escreve o guião), "Em Parte Incerta" é um thriller negro, e inteligente onde o cineasta americano volta a provar o seu talento a explorar ambientes misteriosos, desenvolvendo sempre a trama, e as suas cativantes personagens de forma lenta, meticulosa e infinitamente fascinante, sem nunca descurar os temas a serem abordados de forma paralela na narrativa, neste caso a forma como os media parecem controlar a nossa sociedade, fazendo os seus próprios julgamentos, e declarando quem são os inocentes e os culpados, e ainda a forma como as relações começam e posteriormente se deterioram.
Porém, e numa altura em que o CGI ganha um papel cada vez mais importante no mundo do cinema (o que não é uma crítica apenas um facto), este "Gone Girl" é uma película de atores, onde quase todos os intervenientes (mesmo os experientes) se afirmam como verdadeiras revelações, falo portanto de Rosamund Pike, que aqui apresenta uma performance de exceção num papel de uma imensa complexidade, Carrie Coon a funcionar como "o coração do filme" (digamos assim) e a partilhar uma excelente química com Ben Affleck, a trazer aquele charme clássico de "estrela de cinema" ao seu melhor papel desde "A Cidade". Em papéis mais pequenos, importa também distinguir Neil Patrick Harris até agora mais conhecido por papéis cómicos, a revelar uma faceta sua verdadeiramente arrepiante, e Tyler Perry (uma enorme estrela nos EUA, porém um total desconhecido no resto do planeta) que oferece à obra um toque de humor negro que se adequa ao material em questão de forma excecional.
Além disso, é impossível não destacar uma sublime banda-sonora da autoria de Trent Reznor e Atticus Ross (na sua terceira colaboração com o cineasta).
Aliás sublime é uma palavra que poderia facilmente ser utilizada para descrever este "Em Parte Incerta", um filme negro, inteligente, imprevisível, actual, e tão cínico quanto realista.
A não perder.
10/10


Comentários

  1. Esta película é, sem dúvida, empolgante, eletrizante e prende a nossa atenção desde o primeiro minuto até ao final. Mostra-nos, entre outros aspetos, como as relações nem sempre são o que parecem, como a mente humana pode ser bastante retorcida e como os Media manipulam a sociedade. Um filme fabuloso a não perder, para os verdadeiros apreciadores de thrillers e para o público em geral.

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