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Crítica: "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira


Título Original: "Cartas da Guerra"
Realização: Ivo M. Ferreira
Género: Drama
Duração: 105 minutos
País: Portugal
Ano: 2016
Distribuidor: O Som e a Fúria
Classificação Etária: M/14
Data de Estreia (Portugal): 01/09/2016

Crítica: Ivo M. Ferreira (de quem já conhecíamos o ótimo drama político "Águas Mil", em que Gonçalo Waddington corria atrás de quem guardava as memórias revolucionárias do pai, também aí era abordado um episódio fulcral da história nacional, nesse caso o 25 de Abril) queria fazer um filme sobre a Guerra Colonial e, para isso, decidiu pegar nas cartas que António Lobo Antunes escreveu à sua esposa, durante o tempo que passou em África (compiladas no livro "D'Este Viver Aqui Neste Papel Descripto: Cartas da Guerra"). Tarefa, porventura, complexa que levou mais de oito anos a ser concretizada (a crise económica portuguesa, dificultou o processo de financiamento do filme), mas chega finalmente aos nossos ecrãs, esta semana. E, dir-se-ia, que o resultado dificilmente poderia ter sido mais impressionante, com uma progressão dramática deveras invulgar (a ação é quase sempre guiada pelas cartas do jovem médico, que nos vão sendo lidas em voz off) e um trabalho formidável de fotografia de João Ribeiro, aquilo que mais nos espanta nesta obra é acima de tudo, a forma como Ferreira se revela capaz de compor um filme silencioso (ainda que as palavras o percorram de uma ponta à outra), sereno, mas discretamente perturbador, onde os horrores da guerra não precisam de ser retratados (apenas por breves instantes) para serem sentidos, como um oceano de tragédia humana causada por um conflito que corrói a alma daqueles que foram forçados a participar nela, nesse cenário horripilante o amor parece personificar uma espécie de possibilidade de redenção, de paraíso.

Texto de Miguel Anjos

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