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Crítica

"Infiltrado", de Brad Furman


"Ainda se fazem filmes como antigamente." Pensará o espetador mais velho, que quando pensa em thrillers policiais se lembra de alguns títulos de Sidney Lumet ou Scorsese, face uma fita como "Infiltrado", do norte-americano Brad Furman (que revisitou a tradição do filme de tribunal há uns anos atrás como muito sucesso, através do excelente "Cliente de Risco"). Exemplo particularmente feliz de um certo cinema assumidamente antiquado (o que não significa, necessariamente, ultrapassado como muitos parecem pensar), onde o mundo do crime e as suas histórias mais ou menos singulares eram a matéria-prima para a construção de narrativas humanistas. Nesse espírito, Furman baseia-se em factos reais para nos contar as peripécias de um agente infiltrado numa rede internacional de tráfico de droga, que se revelou essencial na desmontagem do cartel de Pablo Escobar. Dirigido e escrito com adequada subtileza, valorizando o trabalho dos atores (todo o elenco prima pelo brilhantismo, mas Bryan Cranston merece uma menção especial), sem nunca ignorar a construção de um clima de intensidade que acompanha toda a narrativa e, dividindo o seu enfoque entre a combate ao narcotráfico nos EUA na década de 80 e, aos efeitos que a natureza complexa e, por vezes, violenta que o trabalho dos protagonistas tem nas suas vidas, encontramos aqui o melhor filme de Furman e, uma das boas surpresas deste Natal que não merece passar ao lado.

9/10
Texto de Miguel Anjos

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