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Crítica: "Mean Dreams: Sonhos Perdidos", de Nathan Morlando




Segunda longa-metragem do canadiano Nathan Morlando (após, uma primeira, que nunca estreou nas nossas salas) encontramos em Mean Dreams: Sonhos Perdidos, uma das mais interessantes surpresas dos últimos tempos. Essencialmente, um western contemporâneo, com ecos de Malick (Noivos Sangrentos assume-se como uma inspiração fundamental) e Granik (pensamos na atmosfera e geografia do interior rural norte-americano, que víamos em Despojos de Inverno), onde seguimos dois adolescentes, Jonas (Josh Wiggins, notável descoberta) e Casey (Sophie Nélisse, numa performance discretamente contundente), que fogem de um mundo cruel, com uma mala cheia de dinheiro, roubada ao agressivo pai da rapariga (Bill Paxton, aterrador numa extraordinária interpretação, a findar uma invejável carreira). Subtilmente poético e sufocantemente intenso, o filme de Morlando lentamente vai assumindo contornos quase épicos, ainda que sempre apresentados num contexto, em que impera o mais radical intimismo, comovendo sempre, sem nunca entrar nos perigosos territórios do sentimentalismo barato. Assim, deparamos com uma obra maravilhosa, com raízes num naturalismo muito europeu e permeada por um humanismo admirável, aliado a uma banda-sonora belíssima como poucas e uma cinematografia de cortar o fôlego. Um golpe de coração, que é um acontecimento cinematográfico imperdível.


Realização: Nathan Morlando
Género: Drama
Duração: 108 minutos

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