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Crítica:

"Black Panther"


Nenhuma das anteriores longas-metragens da Marvel foram terríveis. Algumas até foram bem curiosas. No entanto, sempre padeceram de problemas mais ou menos gritantes. Seja um uso demasiado recorrente de elementos cómicos, que roubam dramatismo à narrativa, ou o esquematismo geral das suas narrativas, que acaba por aproximar mais os resultados da mais pedestre produção televisiva. E, também, por isso, “Black Panther” surgirá como uma surpresa tão encantadora. Um “blockbuster de autor”, que volta a confirmar Coogler enquanto um cineasta sincero e empenhado, capaz de conceber fascinantes microcosmos, que nos parecem imediatamente realistas e autênticos. Assim, a odisseia de um herói órfão (Chadwick Boseman), que necessita de aceitar as suas responsabilidades hereditárias para com o seu povo e, enfrentar uma figura (Michael B. Jordan), que encapsula em si os erros dos seus antepassados. Dizer mais, é cair no território moralmente inaceitável dos spoilers (importa desbravar este admirável mundo novo sabendo o menos possível), portanto, vale a pena reiterarmos o essencial: enquanto muitas aventuras de heróis e super-heróis apenas ambicionam aplicar fórmulas de sucesso, “Black Panther” reinventa o género. Do inimigo humaníssimo, que desprezamos e entendemos em simultâneo (reconheçamos crédito a B. Jordan, que interpreta as muitas nuances do seu Erik Killmonger, com subtileza e charme de estrela à antiga) aos aliados, construídos com método e rigor, é um conto classicamente enraizado no mundo ficcional da Marvel e, apesar disso, notamos nele um sentimento de realismo (politicamente ativo) que traz cineastas como Spike Lee à mente. É um dos mais impressionantes blockbusters dos últimos anos e, só muito dificilmente não nos o vamos encontrar entre os melhores filmes de 2018.


Realização: Ryan Coogler
Género: Ação, Aventura
Duração: 134 minutos

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