"Diário de um Romance Passageiro", o título da 12ª longa-metragem de Emmanuel Mouret, é um inconfundível prenúncio de tragédia. Ainda antes de entrarmos na sala de cinema, onde conheceremos as personagens de Vincent Macaigne e Sandrine Kiberlain, já sabemos que o seu caso tem fim à vista. Essa informação é tudo menos acessória, um vez que, vem acentuar a melancolia de um conto que, seguindo os códigos pré-estabelecidos do cinema de Mouret, procura aceder aos sentimentos por intermédio da intelectualização.
Como sempre, encontramo-nos perante "um filme falado", citando o título de um dos filmes mais reconhecíveis de Manoel de Oliveira, que se debruça sobre os sentimentos na medida em que eles podem ser discutidos, esmiuçados, até, autopsiados.
É isso que fazem Charlotte (Kiberlain, estonteante na composição de uma libertina, que, secretamente, procura alguém que a leve a questionar os fundamentos que sustentam as suas crenças) e Simon (Macaigne, sempre encantador, naquele misto de Woody Allen e Gérard Depardieu, que só ele consegue corporizar), ela, mãe solteira, que rejeita a paixão (ou, pelo menos, "a sua propaganda"), ele, casado com uma mulher que afirma amar (nunca a conheceremos), desde que se encontram numa festa e decidem começar uma relação puramente sexual. Naturalmente, que não pode ser assim tão simples, no entanto, Mouret permite-lhes que debatam livremente acerca dos seus pensamentos e da natureza da sua união, nos bosques, nas ruas de Paris (que, tratando-se de uma criação do homem, constituem também um tipo de "natureza", defende ela) ou noutros espaços, quase sempre vazios, como estes amantes furtivos se encontrassem sozinhos no mundo. Sabemos que o filme se passa nos dias de hoje, num mundo que em tudo se assemelha ao nosso, contudo, é irresistível encarar os seus protagonistas como uma espécie de Adão e Eva, simultaneamente, o primeiro e único par do planeta terra.
É um filme belíssimo, capaz de encontrar a sensualidade nas palavras, onde somos convocados para prestar atenção e escutar as personagens, permitindo-lhes que se exponham, se vulnerabilizem perante o olhar do público (e o de Mouret, sempre desprovido de julgamentos de qualquer índole). O resultado é tremendamente comovente, ocasionalmente muito divertido e, a espaços, lancinante (veja-se a montagem final, dos espaços frequentados pelos amantes mas agora esvaziados, reduzidos a enquadramentos vazios). Que Mouret é um dos maiores cineastas vivos, já sabíamos, mas, isso não significa que não valha a pena rumar às salas para o reconfirmar...
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