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Crítica: "Kingsman: O Círculo Dourado" ("Kingsman: The Golden Circle"), de Matthew Vaughn




Os donos da franchise 007 querem um Bond sério e torturado, mais próximo daquele tom soturno e melancólico, que atualmente pauta a maioria dos blockbusters. Porém, Matthew Vaughn claramente tem saudades dos tempos absurdos e ligeiros de Roger Moore. Nesses anos, nada fazia muito sentido, os diálogos eram foleiríssimos e, as narrativas partilhavam mais características com uma certa ficção-cientifica de terceira linha, que com os marcos do cinema (e literatura) de espionagem. Como tal, repescou às bandas-desenhadas do seu conterrâneo Mark Millar e, em seu torno, concebeu um espetáculo divertido como poucos, aliando elementos de humor grotesco com uma sofisticação estética e narrativa inatacável (afinal, Vaughn é mesmo um dos melhores cineastas mainstream contemporâneos). Dois anos depois, há sequela e, como costuma acontecer, o orçamento aumentou muito e, com ele o elenco, que agora até já conta com um par de estrelas americanas de primeira ordem, para contar uma história puramente rocambolesca, que encena o confronto entre os nossos espiões britânicos (ainda mascarados de alfaiates), os seus semelhantes norte-americanos (Statesman, que usam um negócio de produção e venda de bebidas alcoólicas, como a sua fachada) e uma traficante de droga, com um plano demente para legalizar o produto, que vende. É um filme assumidamente insano, com um sentido de humor altamente paródico, que nunca sequer pensa em levar-se a sério e, ainda bem, porque este mundo é demasiado interessante para isso e, a proposta de ver Elton John (aqui, a interpretar-se a ele próprio) a dispensar golpes de karaté, contra assassinos contratados é só irresistível. E, felizmente, Vaughn sabe isso, concebendo assim uma aventura à moda antiga, com uma boa carga de subversão, que contem algumas das mais estonteantes sequências de ação do ano (apenas comparáveis ao trio “John Wick: Capítulo 2”, “Baby Driver” e “Atomic Blonde”) e nunca falha na hora de nos colocar um sorriso na cara.


Realização: Matthew Vaughn
Género: Comédia, Ação
Duração: 141 minutos

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